Vírgula #2 | Perdendo traços adolescentes: gostar de academia
Finalmente entendemos o ponto?
Quando eu tinha 14 anos, meus pais me matricularam na academia que abriu na minha rua, a quatro casas de distância. Eu tinha prometido, durante a virada do ano, que iria cuidar da minha saúde e emagrecer, então a abertura dessa academia foi um empurrão para os meus desejos lançados ao universo.
Nessa época, eu conseguia frequentá-la em horário de herdeira, apesar de estar bem longe disso, risos. Voltava do ensino médio às 13h, almoçava, e às 15h já estava em cima da esteira, morrendo de raiva, enquanto tentava extrair alguma motivação da música que tocava no meu fone ou do simples pensamento de que eu precisava aguentar só mais um pouco até esse inferno acabar. Dos 14 aos 16 anos, fui religiosamente, todos os dias, me sacrificar em prol de um corpo que: 1) eu sequer usava para qualquer outra coisa que não fosse existir, me alimentar e me locomover - quero dizer, eu poderia ter aproveitado mais, ido a mais festas, praticado mais esportes, me arriscado mais, mas fui contida -, 2) mesmo perdendo mais de 20 quilos, eu ainda odiava esse corpo e o via muito fora dos padrões que achava que eram os “corretos”. O que eu não sabia é que até para praticar exercícios é preciso maturidade, e para gostar, um deficiência gigantesca de endorfina na sua rotina.
Confesso que talvez eu tenha desenvolvido traços de disforia de imagem, porque mesmo visivelmente mais magra, com dezenas a menos na balança e com o rosto mais fino e angular que eu já tive em anos, não conseguia me enxergar assim. Me olhava no espelho e continuava me vendo feia e longe da minha meta inalcançavel.
Passado o tempo, me formei no ensino médio, comecei a trabalhar, comecei a fazer cursinho, larguei, voltei de novo, passei no vestibular, comecei a faculdade, veio a pandemia, passou a pandemia, e continuei esses mais de cinco anos sem chegar perto de uma academia. Internalizei a disforia de imagem e a usava como desculpa para evitar esse ambiente “tóxico”.
“O que eu não sabia é que até para praticar exercícios é preciso maturidade, e para gostar, um deficiência gigantesca de endorfina na sua rotina.”
Porém, neste ano, ao me formar na faculdade (dá para acreditar????!!!!) prometi que arrumaria tempo para voltar a treinar ou praticar qualquer outro esporte. De obstáculo em obstáculo, e de desculpa em desculpa, um amigo chutou minha bunda muito elegantemente e sugeriu que eu praticasse alguma dificuldade para aliviar todos os sintomas da deficiência de endorfina que eu estava sentido. Ele disse: “parece que você descarrega muita coisa”. E era isso que eu precisava ouvir. Eu precisava descarregar muita raiva acumulada em algo, que oferecesse disciplina e prazer, ou seja, algo que não fosse acabar rápido como um doce.
Fazem três semanas que voltei a treinar, não mais na academia perto de casa, que fechou, mudou de dono e de lugar, mas em uma outra que me agrada porque tem bons equipamentos, instrutures razoavelmente simpáticos e ninguém te enxendo o saco.
No entanto, só consegui porque fiz esse jejum da minha imagem. Passei anos me negligenciando, para nos últimos dois anos, voltar a me olhar como uma mulher bonita e que acima de tudo, GOSTA de ter sua rotina de skin care, passar maquiagem e tem gostado de fazer exercícios, não pelo shape, que ela descobriu que não é mais um empecilho na sua vida, mas pelo prazer de ver uma tarefa completa no dia, da dorzinha que fica no dia seguinte ao fazer um exercício novo, e principalmente, da brisa deliciosa que é entrar tensa, putassa e sair relaxada depois de 1h se movimentando.
Hoje em dia eu não me comparo mais com outras pessoas na academia, nem em termos de roupa, peso ou corpo. Ver mais pessoas fora do padrão procurando exercícios criou uma ambiente mais convidativo e de certa maneira seguro pra mim, para que eu me identificasse também com esse grupo. Como boa gen z, tudo que gere um pouco de individualismo, senso de comunidade, hype e uma possibilidade de criar memes autodepreciativos eu to aceitando. Foi um ótimo match.
Confesso que fui procurar as razões para o setor estar tão aquecido (perdão pelo trocadilho), para além da minha experiência individual, e as justificativas são várias: da pandemia até os gen z tornando as academias lugares de socialização, mas o que mais me convence, é a cultura do CLT premium que agora startups e principalmente empresas de tech oferecem: os planos gympass da vida, e outros benefícios. Não é o meu caso, mas sigo a onda.
No final das contas, a discussão sobre oportunidades e apoio volta a ponta da lingua, depois de subir pra cabeça durante toda a Olimpiada de Paris. O esporte é uma ferramente de fato poderosa, mas é preciso maturidade, apoio e uma dose de humor para perder os traços da adolescencia e gostar de academia.
AM I A BAD PERSON?
Enlouqueci com esse AD da Nike, com narração do Willen Defoe e acho que você vai gostar também:
Me viu por aí?
Sim! Comecei meu canal no youtube, e esse foi o primeiro vídeo.
O Tiktok é uma rede social tão patética que um video sem conteúdo nenhum de 0,7s tem mais alcance que um post que de fato te ajuda em algo. Vivi isso na pele. Mas a gente perdoa.